Como Chikorita passou anos sendo a mais desquerida dentre os iniciais

A franquia Pokémon tem quase três décadas de vida e, se tudo correr como se suspeita, está prestes a chegar à 10ª geração em 2026. Dentre os quase 30 iniciais dessa longa jornada, não é difícil constatar que, sem dúvidas, uma das mais desqueridas é Chikorita.
Ou era.
Essa semana, o anúncio de que a pequena chicória pokémon seria uma das iniciais de Pokémon ZA colocou-a de volta aos holofotes e, pasmem, com direito a fã e tudo! Pessoas reivindicaram palavras de justiça, pediram respeito e enalteceram o orgulho de ter a primeira inicial afeminada de volta ao topo - reações que pareceriam improváveis se pudéssemos voltar no tempo e estar lá no final do Século XX para constatar que, do trio de Johto, ela era a menos amada. Bem menos amada. Bem menos mesmo.
Mas, se você for novinho o bastante para lembrar disso ou passou os últimos anos em coma, aqui estão os motivos para você entender de onde saiu todo esse hate:
Dentre os iniciais, Chikorita era a que mais sofria com os ginásios de Johto

Dos oito ginásios de Johto, Chikorita sofria dano dobrado em três, sendo dois deles já no início da jornada. Falkner era o primeiro adversário, no ginásio do tipo Voador, enquanto Bugsy já era o segundo, no ginásio do Tipo Inseto. Era encrenca em dobro logo de cara.
Tá, eu sei que você está pensando: "Charmander também tinha dois ginásios iniciais fortes contra ele em Kanto (Brock e Misty, tipos Pedra e Água) e nem por isso flopou". Sim, mô, você tá certo. Relaxe. Mas... lembre que no caso de Charmander este era um motivo isolado, e no de Chikorita além desse ponto tem uma lista abaixo. Fora que... ele estava na CAPA DO JOGO com a cara (da evolução) dele grandona lá. E, sim, isso pesa muito em impacto e discurso; mas a gente conversa melhor disso em outro post.
Voltemos à Menina Chicória: Bem, depois do líder Voador e Inseto, ainda vinha o tipo Gelo, com Pryce, lá no sétimo ginásio pra dizimar a pobre. E nos outros cinco ginásios, as coisas não ficavam lá muito melhores: ela não tinha vantagem contra um sequer. Batia em três deles com dano normal (1x) e com metade de dano (0,5x) nos outros dois, do tipo Aço e Dragão. Difícil a vida da doll.
Quem escolhia a Chikorita, portanto, se via precisando fazer outras capturas logo no início da jornada e findava colocando estas como a principal da party, o que contribuía com a sensação de que Chikorita não era protagonista... E, olha que nem foi Walcyr quem escreveu Gold & Silver.
Na Elite dos 4, as coisas não melhoravam.

Achando pouco prometer nada e entregar menos ainda nos ginásios, Chikorita também não tinha vantagem contra os integrantes da Elite4 - aliás, ela sofria dano dobrado de um deles, Koga (tipo Veneno) -, tampouco era útil contra o Campeão, Lance (tipo Dragão). Isso piorava seu quadro já não lá muito bom. E olha que nem vou me demorar comentando da Equipe Rocket toda trabalhada em pokéfogos, pokévoadores e pokévenenosos - basicamente uma multifatiadora de chikoritas, pra Shoptime nenhum botar defeito.
Se você parar para pensar: bem, Cyndaquil e Totodile também não evoluíam para tipos com vantagem na Elite4. E isso é verdade, só que Typhlosion, ao menos, tinha vantagem contra três dos oito ginásios, enquanto Feraligatr ganhava golpes lutador, sombrio e de gelo que quebravam um excelente galho na hora do desespero.
Então, assim, fazendo um cálculo simples: não era uma escolha muito difícil.
Moveset com sabor de Status-set

Como muita gente sabe, Pokémon foi por muitos anos jogado em ROMs e emuladores, sobretudo no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. As crianças, eu incluso, não entendiam nada de japonês e, quando o jogo lançava em inglês, também não entendíamos nada igual. A não ser, claro, os números.
Os números são universais em qualquer língua e, por isso, foi comum, durante muito tempo, escolher os movimentos que davam dano, lendo os números, enquanto se ignorava os que causavam status (para entender o que faziam, era necessário ler); não à toa, que ainda hoje aqui no Brasil a gente traduz o termo "moves" para golpes, como se o sentido fosse: "algo que serve pra bater".
Dos 17 golpes que Menina Chicória aprendia naturalmente ao evoluir (sem precisar de TM ou HM), 9 não davam dano. Dentre os que davam dando, um precisava compreender a funcionalidade da berry pra usar, o outro só funcionava a cada dois turnos e estou incluindo o Tackle, então... era complicado para quem tava só apertando B rápido e tentando acompanhar os detonados do Pokémon Mythology.
Em termos práticos: substituível

Logo ali, a não muitas rotas de distância, havia outras opções do tipo planta, com linhagem evolutiva tripla: Hoppip e Oddish (que ganhava a fofa evolução para Bellossom). Enquanto isso, se a gente considerar só as novidades de Johto, opções como Marill ou Houndour, por exemplo, demorariam muitas e muitas rotas para aparecer.
Evidentemente, Slowbro ou Growlithe, por exemplo, apareciam em rotas do começo do jogo, mas, em geral, os pokénativos da região costumam ser preferíveis quando se joga uma geração nova - e, neste caso, os de planta apareciam bem mais rápido.
It's a Man's Man's Man's World

Não precisamos entrar aqui neste post (não neste) em uma discussão profunda de estereótipos de gênero, mas sim, Chikorita é o primeiro inicial com aparência lida como "feminina"; uma marcação visual tão forte que é muito mais comum aqui no o Brasil ouvirmos as pessoas dizerem "Escolhe A Chikorita" do que "Escolhe O Chikorita", independente do gênero.
Esse tipo de marcação de gênero na primeira forma do inicial é basicamente exclusividade da Menina Chicória. Os demais são: o charmander, o squirtle, o bulbassauro, o totodile, o cyndaquil, o mudkip, o torchic, o treecko, o piplup, o chimchar... e por aí vai. Claro que, aqui e acolá, pode brotar uma pessoa que proteste falar "a" com algum outro, mas aí é mais costume do povo animado do que um padrão geral.
Esta questão de designar gênero feminino só de olhar foi uma coisa tão marcante com Chikorita, que, às vezes penso que isso traumatizou a Game Freak a ponto de depois daí só ter feminizado iniciais na última forma (a Primarina, a Delphox e a Meowscarada), ou na middle (a Braixen). Aqui mesmo nesse post, vira e mexe, me refiro a Chikorita com termos no feminino, e sai normal, como se fosse o "óbvio".
Bom, dito isso, acho que se dispensam explicações do porquê um inicial, ou uma inicial, no meio da cultura do videogame, no final dos anos 1990, era desprezada pelos meninos gamers, fossem eles crianças ou adultos, né.
No anime, a personalidade dela não ajudava...

Chikorita foi a primeira Pokémon de Ash na nova jornada dele, considerando os iniciais. E, não bastasse o Heracross recém-capturado encher o saco de Bulbassauro, Chikorita chegou para encher o saco de Pikachu. Sabe, às vezes fico pensando o que os roteiristas tinham na cabeça: De todas as opções de sentimento que poderiam usar para desenvolver a personalidade dela, escolheram logo a mais problemática para a relação Pokémon x Treinador: ciúmes.
Em muitos episódios, Chikorita queria mostrar a Ash seu valor em batalhas que não dava conta, tentando ser valorizada tal qual Pikachu - e, bem, isso foi um tiro no pé, porque Pikachu era muito amado no mundo todo e o espectador acabou a achando... chata! Para piorar, em muitas das interações com Ash, parecia que Chikorita estava apaixonada por ele, o que era meio que, err... estranho... principalmente por ser algo mostrado na vibe "ginasiais que são apaixonadas pelo senpai e precisam de proteção", sendo a expressão facial de Ash, várias vezes, estranha a esse afeto. Is this a furry reverso?
Como muitos sabem, a personalidade do anime ajuda muito na popularidade de um pokémon; como no caso do Squirtle líder de gangue e o Totodile bailarino que colocou o totototó na cabeça dos mancebos dos anos 1990. Com Chikorita, contudo, o efeito foi o contrário.
Uma escolha (nada) difícil

Todos os iniciais até então - e também todos os outros depois dessa flopada sinistra da rejeição de Chikorita - têm suas referências visuais associadas a animais. Aliás, também penso que o Caso Chiko rendeu várias lições para a Game Freak, a qual nunca mais baseou seus iniciais de planta em uma planta de fato.
Tipo... a Chikorita era de fato uma Chicória de quatro patas.
Ok, você pode pensar: não! A Chikorita é um dinossauro! E bem aí não é minha culpa você querer se iludir. Cada um vive na realidade que quer rs
Verdade que suas evoluçõõõões têm sim uma referência a um saurópode, com seu pescoço comprido. Mas, ao ver Chikorita com uma folha na cabeça, lamento... a referência dinossáurica não é a interpretação primária. Você bate o olho e diz: chicória!! (Bem, isso se você já tiver visto uma... mas se você não viu, saiba que as crianças japonesas já viram, porque a planta é superpopular por lá e rende milhões de dólares todos os anos em exportação).

Se a gente comparar o design dela com o de Bulbassauro, o dele também tem relação com planta, pois, assim como Chikorita, Bulba desenvolve um broto/botão na forma intermediária, e este floresce em sua forma final. Mas, em todas as suas formas, quando se olha para Bulbassauro se nota que ele é um monstrinho ou um bicho (um dinossauro ou um sapo, sei lá). E, nesse caso, parecer um animal afeta a receptividade e reconhecimento do inicial. Ninguém quer entrar numa rinha pra pôr a Chicória pra batalhar contra o Brócolis. Não na frente da minha salada!
Nos demais contextos, aí tudo bem! Até porque aí deixa de ser uma opção de inicial, oferecida para todo mundo, inclusive crianças com o embrião da masculinidade frágil em seus tenros 10 anos, e passa ser direito dos gayrotinhos de 6 a 60 anos terem suas frutinhas que evoluem para afeminadas da Turma da Moranguinho, como bounsweet (mangustão), cherubi (cereja), smoliv (azeitona) e oddish (macon, digo... rabanete).
Finalizando...

Dito tudo isso, claro que, você pode ter vivido nos anos 2000 amando Chikorita e ter uma tatuagem chikoriosa escondida na virilha de tão apaixonado que você é, contudo, a ideia do post não era falar de você, exceção, mas da visão geral. E, para isso, fui atrás de fóruns do ano e publicações recentes para elencar as justificativas e pretextos mais frequentes.
E agora que elas estão claras, acho que é mais do que a hora de deixar muitas dessas questões para trás, né? Ganhando Mega e virando a incrível MegaMeganium ou não em #PokémonZA, Chikorita merece finalmente ter sua redenção.

Espero que tenham gostado do post, e que leiam outras publicações (quando estiverem prontas).
Até breve, com mais Roar of Time - um resgate bem humorado da história Pokémon.
Esse post ainda está em construção e revisão
Eu acho que com esse assunto rolando vai influenciar muito na escolha da galera, inclusive acho que a Chikorita vai ser a mais escolhida entre os três, principalmente se a forma final dela ou Mega for incrível.
amei o texto !!
Incrível trabalho. Lutarei pela Bayleef até o fim🌱